HIRATAN PINHEIRO - Superintendente Regional do DNIT no Rio Grande do Sul

Paulatinamente vencido, o tempo – objeto de prosa do conterrâneo seu, Érico Veríssimo – cedeu algum espaço para que o superintendente do DNIT no Rio Grande do Sul, Hiratan Pinheiro da Silva, pudesse avaliar ações e revisitar fatos, detalhando os bastidores de um esforço que, longe do fim, permanece uma constante em seu dia a dia e de sua equipe. Por sinal, ao sereno e premiado engenheiro, cabe não apenas “reconstruir”, o Rio Grande do Sul, mas como o leitor há de entender por esta conversa que ele teve com RodoVias&Infra, “construí-lo melhor, mais resistente e ainda maior”.

RodoVias&Infra: Vamos começar pelas “notícias do caos”, trazidos pelas enchentes deste ano, considerando que no ano anterior já haviam acontecido também – ainda que com intensidade muito menor – problemas pontuais. Afinal, foi tudo muito rápido, e muito abrangente, literalmente em todo o estado.
Hiratan Pinheiro: Realmente essas chuvas que começaram nos últimos dias de abril deste ano, e avançaram no mês de maio, não tiveram precedentes. Jamais presenciamos algo desta escala na infraestrutura do estado. De imediato, toda uma operação precisou ser feita em conjunto com outros órgãos, federais, estaduais e municipais. Também tivemos que avançar em questões com as agências de transportes e transportadores, para que pudéssemos atuar de forma integrada, coletivamente e – inicialmente – entender qual a possibilidade de resposta logística para os fatos. Claro, as chuvas deste ano mudaram a configuração das coisas, mas, no ano passado, ocorreram 3 eventos, de chuvas, em junho, setembro e novembro, que nos colocaram, pontualmente em ações conjuntas, ainda que em magnitude muito inferior, sem dúvida. Entretanto, eu entendo que essas experiências anteriores, deram condições para que nós pudéssemos ter mais agilidade nas respostas.

Estamos falando principalmente de desobstruções, correto?

Basicamente, sim. Essas movimentações de desobstrução, começaram praticamente no mesmo instante em que as ocorrências tomavam forma. Tivemos dois tipos bem clássicos de interrupções. Nas serras, os deslizamentos de encostas. Bloqueios por terra, vegetação, entulho, pedras, e nas partes mais baixas, o bloqueio pelas cheias, da água que tomou as pistas. Claro, estes constituindo os dois tipos mais comuns de problemas, mas nós tivemos o rompimento de cabeceiras de ponte, entre outros. Especificamente nas serras, nós focamos na limpeza e desobstrução, por conta do restabelecimento de conexões – de forma urgente – com localidades que ficaram isoladas, não apenas fisicamente, mas também pelo rompimento das comunicações, da telefonia. Tudo isso definiu uma priorização nestes pontos. Seguindo este curso de eventos, toda esta água que vinha das serras, em pouco tempo ganhou as áreas mais baixas, chegando às cidades e regiões metropolitanas. E aí nós começamos a atuar de forma a erguer o greide das rodovias, criando os chamados “caminhos assistenciais”, subindo-o em pedra, para que as cargas essenciais pudessem chegar onde precisavam: comida, remédio, combustível, oxigênio. Então, muito rapidamente nós percebemos que tudo estava ganhando contornos de emergência humanitária. Essas conexões se tornaram questão de sobrevivência.

Como foi a cooperação com o DNIT sede, e com as forças tarefas criadas para aumentar a capacidade responsiva, como a criação do próprio ministério (hoje secretaria) da Reconstrução do Rio Grande do Sul, sob o ministro Paulo Pimenta?

Foi muito importante. É preciso entender que tudo aconteceu em um espaço de tempo curto e em uma sucessão muito rápida de eventos. E eventos que carregavam muita força. Nossos primeiros diagnósticos, já haviam sido elaborados por volta do dia 30 de abril, porque simplesmente as chuvas não paravam. A precipitação registrada era enorme, especialmente na região de Santa Maria. E, nós tivemos a visita do presidente Lula, dos ministros Renan e Pimenta, e da diretoria do DNIT, em um momento em que já havia alguns bloqueios pontuais, no início dos eventos. Tivemos uma pequena pausa, mas no dia 2, em diante a chuva voltou com mais força ainda em toda a região, e, nas serras novamente, com as situações mais graves culminando na BR-470, na BR-116, o que já começava a deixar claro o grau de problemas que se aproximavam em direção à nós, em altíssima velocidade. Nos dias 3, 4 e 5 já não restavam dúvidas da extensão dos estragos, tanto que a comitiva presidencial voltou para Porto Alegre, com o início da atuação do governo Federal já no domingo, e com a permanência do ministro Renan, que imediatamente, também em conjunto com a diretoria Rodoviária do DNIT, com a chegada do diretor Fábio Nunes, começou a acessar os principais fatores limitantes que precisavam ser vencidos. O primeiro desses fatores, claro, era o orçamentário. 

Nós já tínhamos uma ideia do volume de recursos. Tínhamos uma estimativa do que seria necessário, mesmo antes de termos pé da situação em outras regiões. E, evidentemente, esses recursos superavam e muito, todo o orçamento que tínhamos disponível para o ano. Também nós tínhamos obstáculos sobre o “como fazer”, com relação às contratações. Nós já tínhamos experiências com contratações emergenciais. Mas era necessário buscar formas ainda mais rápidas do que esta modalidade, como por exemplo a contratação imediata. Mesmo os contratos emergenciais que contemplam um ano, se mostravam inviáveis frente ao que era necessário fazer. Foi um desafio. Então nós expusemos todas essas questões, e, já na semana seguinte, o ministro Renan voltou para cá, já com todas essas questões encaminhadas, alinhadas, junto com as instituições de governo, de lançar medidas provisórias, que ofereceram essas garantias orçamentárias. 

Isto possibilitou um montante de quase R$ 1 bilhão para obras emergenciais, inicialmente. Na sequência, houve ainda uma outra medida provisória quase tão importante quanto a garantia dos recursos, que foi a das contratações. Não apenas facilitar novas contratações, mas poder flexibilizar os antigos contratos em até 100%. Nós tínhamos contratos já esgotados, e precisávamos ainda de contratações emergenciais mais rápidas, que nas diretrizes referenciais de levantamentos para que a gente conseguisse atuar. Então, daquele problema inicial, das dúvidas lá no início de maio, sobre como operacionalizar, foram equacionadas. Mesmo os aditivos aos contratos, acima do que a lei rege de maneira ordinária, tiveram um entendimento de que estávamos encarando uma situação extraordinária.

E com isso, foi possível abrir as primeiras frentes de trabalho para iniciar a recuperação.

Exatamente. Com os recursos e a organização necessária, conseguimos abrir as primeiras frentes de trabalho e iniciar a recuperação, atuando de maneira rápida para restabelecer a normalidade nas áreas mais afetadas.

Mas afinal, se o próprio DNIT foi surpreendido, é fácil imaginar que esta também foi uma realidade com as empresas. Como foi a mobilização por parte delas, a chegada delas, de seus equipamentos às áreas interrompidas, às vezes inacessíveis, e a capacidade de atendimento por parte delas no geral?

Nem nós nem as empresas estavam preparadas. Eu acredito que o primeiro e mais importante movimento foi o de união, especialmente pela parte gestora, do ministério, apoiando o DNIT e Brasília apoiando a Superintendência. Isto nos deu confiança de poder chamar as empresas e todos os colegas, que firmaram um compromisso de atendimento às necessidades básicas, onde as empresas se mobilizaram, montando equipes com pessoas que inicialmente também estavam em locais isolados, de todas as regiões, para poder realizar esses caminhos assistenciais. Esta união de esforços, com todos focados no objetivo, foi o que garantiu essa resposta imediata e rápida. Todos com o mesmo propósito. Com as ULs e as empresas empenhadas em resolver. Na verdade, é preciso frisar e agradecer, a todos os nossos colegas, que foram brilhantes, não apenas a diretoria, mas as demais superintendências, que se ofereceram em nos ajudar e atuar junto em Brasília. Acho que houve um fortalecimento institucional muito grande.

Em termos de investimentos e em quais áreas, como foram organizados e alocados os recursos e qual o montante total, para termos uma dimensão?

Nós fizemos uma divisão em 3 eixos essenciais: primeiro, a desobstrução dos caminhos e a elaboração/contratação dos planos de trabalho e projetos, para reconectar o estado e as rodovias para poder dar trafegabilidade. A segunda etapa, é a que nós nos encontramos agora, que é a contratação das obras emergenciais para recomposição das rodovias conforme a trafegabilidade encontrada anteriormente ao evento. Voltar ao “Padrão DNIT”, com todos os itens plenamente funcionais, voltar à normalidade. E, a terceira etapa, dotar o estado de infraestruturas resilientes, termos obras que já estejam provisionadas tendo em vista essa nova realidade climática. Este último componente do montante, a que você se referiu, nós ainda não temos. É claro, para esta última etapa, nós já estimamos valores significativos. Somente na primeira etapa, nós investimos R$ 1,185 Bilhão. 

Agora, com o desenvolvimento do plano de trabalho, e outras atividades, já estamos em R$ 2,4 Bilhões necessários para a recuperação, já incluída a reconstrução de boa parte da BR-470, que teve grandes assoreamentos, partes da BR-116, obras importantes como a Ponte do Caí, outras pontes que sofreram danos estruturais, recomposição de encostas, em suma, todas essas reconstruções, todas em andamento. Na verdade, se formos olhar, o bom desenvolvimento de cada etapa, dependeu muito da anterior. 

Na primeira, fizemos levantamentos, que possibilitaram o start. E aí nós vemos, pela diferença de valor da primeira para a segunda etapa, que, de começo, nós estimamos com base no que tínhamos de informação disponível, relatórios gerenciais. Ou porque não era possível acessar e verificar a situação real, por conta do nível da água não ter baixado ou outro motivo. E claro, nos deparamos com situações em que, por exemplo a ponte do Jacuí, em Rio Pardo, que estava praticamente intacta, mas, que com as águas cedendo espaço, acabaram mostrando as fundações todas expostas. Então, juntamos a isso, o que foi possível reunir por imagens de drone e helicóptero, que também ajudaram nas primeiras estimativas, principalmente em locais onde não conseguíamos chegar.

Visita da Comitiva DNIT sede Brasília

É fácil entender que esta, afinal se tornou uma carga de trabalho ponderável e adicional, até por que o DNIT tem as suas atividades de rotina que, também não podem ser paralisadas.

A catástrofe, é um capítulo da história. Mas o livro todo, é contado pelas obras que o DNIT fez, e faz ao longo do tempo. E essa mentalidade de que era preciso voltar a uma normalidade, qualquer que fosse, retomando as obras, nunca nos abandonou. É interessante notar, que mesmo as rodovias que não foram estruturalmente afetadas, ainda tiveram alguma monta de danos no pavimento. Mas, mesmo assim nossos índices não baixaram. Muito por conta da velocidade com que nós e as empresas entraram em ação. O orçamento da manutenção foi adequado, ajustamos alguns PATOs para que suportassem essas intervenções mais robustas. 

Veja só, no ano passado, nós começamos com mais de 2 mil km de projetos do CREMA, bem como também começamos os projetos de Revitaliza. Então, este ano, já temos previsão de pelo menos mil km de CREMA entregues, 2 mil km contratados e mais 600 km de Revitaliza, já demandados pela Coordenação de Manutenção, para que a gente consiga superar a limitação que existe, por exemplo no PATO, uma vez que estamos nos deparando com questões estruturais nas rodovias. Na partida, ele funciona bem para o ICM. Mas para mantê-lo, é preciso não só manter, como recuperar, com contratos como o CREMA. É o caso das BRs 392 e 290, em que estamos querendo ampliar o escopo de trabalho, incorporando um contrato de restauração. Fizemos isso em 40 km na malha da UL de Cruz Alta, entre esta cidade e Júlio de Castilhos e um outro segmento da BR-158, que podemos chamar de BR-158 Norte, na divisa com Santa Catarina. Ali é um tamanho desgaste que nem o CREMA atende mais. Como ela acaba concentrando a saída pra Santa Catarina, vamos incluir o revitaliza e contratos de restauração nos pontos necessários. 

É importante ressaltar que estes recursos, competem ao nosso orçamento ordinário, chegando à quase R$ 1 bilhão em intervenções de manutenção e restauração, nada tendo que ver com os valores – extraordinários – da reconstrução. Mas, de forma geral, a diretoria tem atuado muito para o aumento dos orçamentos, por que o próprio tamanho dos programas aumentou. 

Voltando um pouco nossa conversa, no começo, logo quando os eventos aconteceram, e falamos com a diretoria, o ministro, nós já tínhamos uma noção de que o nosso orçamento ordinário não daria conta. Até por que, no ano anterior, somente em emergências, nós utilizamos cerca de R$ 300 milhões, de um orçamento também de R$ 1 bilhão. Então, as medidas provisórias também ajudaram a organizer isso, até para que nós pudéssemos “recompor” ou pelo menos não descobrir, o orçamento definido para a manutenção. De qualquer sorte, eu acho interessante que as experiências de 2023, trouxeram um conhecimento, estratégias e soluções para que nós pudéssemos lidar melhor com o que aconteceu em 2024. Isoladamente, friamente olhando, esses aprendizados pareciam ter pouca importância, mas, em conjunto, frente às necessidades, eles foram muito úteis, do ponto de vista de fazer acontecer.

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