Anderson Pomini, Presidente da Autoridade Portuária de Santos – APS

GESTÃO 4.0

Homem de origem simples, cujo caráter foi talhado desde tenra idade na lida de campo, no interior do Paraná, a personalidade à frente da Autoridade Portuária de Santos reflete um perfil disciplinado, resiliente e conscientemente responsável, por natureza. Articulado — como muito convém aos mais destacados operadores do direito — Anderson Pomini detém também a capacidade de fluir por diversos assuntos, com grande desenvoltura, em boa parte, devido à sua peculiar disposição em ouvir e compreender com interesse genuíno o que têm a dizer seus interlocutores. Ao longo de sua história, política, visão de Estado e um agudo senso de justiça social moldaram um executivo perspicaz, que, pela atenção aos detalhes e minúcias, tem obtido sucesso na preparação intensa do ecossistema portuário sob sua condução (além de Santos, também Itajaí, em Santa Catarina, está sob a APS, é bom lembrar), com vistas à alta performance e eficiência que, se no momento o país não pode prescindir, constituirá critério excludente nas próximas décadas, em termos de competitividade mundial.

RodoVias&Infra: O senhor possui uma trajetória sólida como bom estrategista, em diversas atividades que desempenhou ao longo do tempo. Como foi o caminho até a chegada à APS? De que maneira o senhor a recebeu, suas primeiras impressões e ideias?

Anderson Pomini: Eu comecei na política bem cedo, porque sempre gostei muito do processo eleitoral. Com 13 anos, eu e um amigo da escola rural, colaboramos com uma campanha à prefeitura da nossa região. Nós circulávamos pelos sítios, com um alto-falante no carro, reproduzindo uma fita da campanha do candidato. Até que um dia essa fita arrebentou, e, como eu tinha decorado o texto, peguei o microfone e fui repetindo o que estava nela. Em uma ocasião, ao acaso, passamos em uma propriedade em particular, em que por ventura estava o candidato, que acabou me chamando para falar também nos comícios. E foi aí que eu percebi, uma vocação. Política. Relacionamento, participação. Tanto é que eu fiz Direito em São Paulo, depois de conseguir um emprego para pagar a faculdade, já pensando em política. Outro passo que aconteceu, foi a minha eleição para o Diretório Acadêmico, já no primeiro ano, no qual acabei ficando até o final do curso. No quarto ano do curso, eu coordenei uma campanha para o deputado federal Régis de Oliveira, e já era o tesoureiro estadual do PSC à época. Sempre conciliando as atividades estudantil, acadêmica, política e partidária. Finalmente, eu conquistei a advocacia e, nas minhas andanças por ela, percebi que o Direito Eleitoral era uma área muito escassa. Foi inclusive o próprio Régis de Oliveira, que foi desembargador, presidente da Associação dos Juízes do Brasil e da América Latina, quem aconselhou para essa especialização. Então, a parte do Direito e da Política, eu conhecia um pouco. Foi assim que eu comecei a palestrar sobre Direito Eleitoral e abri meu escritório, junto à minha esposa, que também é advogada. Nesses dez anos, houve então o convite para coordenar a parte jurídica da campanha do João Doria, entre outras campanhas, como a da vice-presidência do Geraldo Alckmin e do Márcio França ao Senado. Depois, fui convidado para ser secretário de Justiça da Capital, uma experiência muito rica na gestão pública, que serviu para entender, enfrentar a burocracia e a morosidade, e mesmo, para desconstruir alguns preconceitos que nós temos em relação ao funcionalismo público. Eu fui conhecer a máquina pública pelo outro lado do balcão. E ali eu fui entender que tem muita gente boa. O problema é que o nosso sistema criou tanto formalismo em razão da desconfiança que o estado tem do gestor público temporário, que ele acabou imprimindo, ao final, a proverbial ineficiência. É muito carimbo, muita gente para decidir, muita gente para compartilhar uma decisão simples, e isso gera essa ineficiência, essa morosidade. E afinal, aí é que surge, normalmente, o tema privatização. Público versus privado. Qual é melhor? E, efetivamente, nós passamos por isso exatamente aqui no porto.

E neste contexto, falamos de sua chegada à APS, correto?

Sim. Pesou muito para minha indicação à presidência a experiência jurídica, administrativa, de gestão e a natureza do meu trato com as pessoas. Palavras deles, Geraldo Alckmin e Márcio França, que entenderam por bem que a APS necessitava disso, mais do que proficiência técnica específica na área. E, quando da minha chegada, o cenário no porto era o pior possível, em toda sua história. Por quê? Porque a gestão que passou estava organizando a casa para venda. E o que eles fizeram? Dispensaram 500 funcionários, no Plano de Demissão Voluntária – PDV, fizeram caixa, nos últimos 4 anos, pensando na outorga, para aumentar o valor da empresa em um eventual leilão, e, com isso, deixaram de investir em obras de infraestrutura básicas para a operação portuária.

Acabou depreciando o, digamos, asset. O porto enquanto ativo, não?

Perfeito. E com isso, o porto, que representa 30% da corrente comercial brasileira, se conecta com 200 países em mais de 600 destinos, estava com suas perimetrais em situação precária, com o canal precisando de aprofundamento, o mercado, operando independente da discussão, e pressionando para que se fizessem essas intervenções. E o porto, “parado”. Esse era o cenário dois anos. Uma situação muito ruim. Os funcionários que restaram, cerca de 800, já com as malas prontas para ir embora. Os sindicatos tiveram suas credenciais de acesso revogadas e, no topo disso, o mercado apreensivo, bravo. Porque quando ele paga a tarifa, o arrendamento, ele naturalmente espera que se cumpra o acordo, para que isto seja revertido em obras. E, além disso, havia um distanciamento muito grande na relação entre a comunidade local e o porto. O que eu ouvia, desde o começo, é que “o porto sempre esteve de costas para a comunidade”. Ou seja, não havia um metro quadrado de integração do porto com a cidade, como fi zeram outros portos pelo mundo, notadamente, em alguns exemplos na Europa. Inicialmente, grosso modo, as áreas portuárias eram muito degradadas. O tráfego pesado, de fluxo intenso, com a presença de prostituição, contrabando, drogas, aos poucos, foi dando lugar a uma integração mais efetiva com as cidades. E isso acabou tornando as áreas que passaram por essas iniciativas integradoras, em polos de atração turística. Porque no nosso imaginário, há um fascínio, tanto pelas infraestruturas aeroportuárias, os aviões e sua operação, quanto pelas instalações portuárias, com seus grandes e imponentes navios. E é um fascínio tanto para crianças quanto para adultos. São criações humanas fantásticas. E isso é um ótimo ponto de partida para atrações turísticas. Para reverter isso, nós começamos fazendo algo que eu gosto muito e é fundamental, que é ouvir as pessoas. Então, eu passei um bom tempo pela cidade, tive oportunidade de montar um time muito competente e experiente, fazendo como também preconiza o ministro Silvio Costa, que costuma dizer: “Quem ouve mais, erra menos”. E ele tem razão. Então eu fui conversar com a cidade, ver as opiniões sobre o porto, que afinal são aquelas de que, é legal, gera emprego, mas também gera transtorno. Existia respeito, mas não admiração. Não existia um link.

Um respeito, protocolar, digamos.

Um respeito distante. E, é bom lembrar, que o porto apesar de receber “de Santos” no nome, está conectado a mais 4 cidades da baixada santista: Guarujá, Cubatão, Bertioga e agora São Vicente. Mais que isso, é o porto do Brasil, do litoral do estado de São Paulo e não apenas de uma cidade. Além disso, o porto nunca tinha olhado para sua margem esquerda. Guarujá. Eu ainda tenho palafitas. Pessoas vivendo em situação precária. E isso é constrangedor. De um lado eu tenho muita riqueza, o mundo inteiro chegando e saindo do país, pujança, e de outro eu tenho gente em condições extremas de pobreza. E isso revela um pouco da nossa incompetência em gestão pública. Então, nós nos dedicamos exatamente sobre esse tema. Quando houve a troca ministerial, nós estávamos exatamente nos movimentando para tirar o porto do programa de privatização, e desenhar o projeto “Porto do Futuro”. Outro ponto que nós ouvimos muito aqui é relativo à falta de planejamento, por sinal. Apontam-se os gargalos, os problemas, que são reais. Mas que somente existem, porque nós não nos planejamos no passado. O porto é o que é, e assim como ele uma grande maioria de portos também é assim no mundo, por conta do mercado, que impulsiona o porto e sua conformação, conforme suas necessidades, de uma forma orgânica. Se pegarmos na história, os portos em geral, não tiveram um planejamento da gestão pública, seja qual for, para aquela área. Na esmagadora maioria, foi o navegador que chegou e elencou o local mais adequado para ancorar suas embarcações. Santos não foi diferente. Santos foi construída pelos navegadores. Os portugueses, espanhóis, holandeses, os traços de arquitetura que a cidade ainda apresenta deste passado, têm relação com esses navegadores. E é assim em todo lugar do mundo. E aí vem o estado. Vê que está ali acontecendo um comércio, toma a iniciativa de ver o que pode ser feito de melhoria, constrói um cais. E nós fizemos isso. Entregamos para a família Guinle, que construiu este porto, investindo pesado, com a Companhia Docas, durante 90 anos. Construíram e começaram a organizar o setor. Depois, nos anos 1990, é que o porto volta à gestão federal. Na verdade, todos os portos, todas as nossas “janelas conectadas com o mundo”, ostentam interesse nacional de segurança, e de segurança alimentar. Por isso são federais. E justamente por isso, a gestão pública do porto, deverá sempre estar vinculada ao interesse nacional. Então, hoje, o Porto de Santos é uma Autoridade Pública federal, uma empresa do estado brasileiro, que defende esses dois princípios básicos. Na verdade, o porto até extrapola as questões nacionais que eu já expliquei. Ele é um elemento importante para a segurança alimentar mundial também. Se este porto aqui parar, a China passa a sofrer dificuldades de alimentar sua população. Então veja a importância desse canal em termos mundiais, e claro, para o nosso agro, enquanto estímulo e fomento dos nossos negócios. Santos é essencial para o comércio naval mundial. Por isso, esta estrutura, jamais poderá estar nas mãos de um grupo econômico. E aqui, começo a defender o meu ponto de vista quanto à questão das entidades públicas versus privadas, e do porquê eu acredito que Santos deve se manter público, é que o grupo econômico, pauta suas ações “pela cotação da bolsa”. Se ao final do dia, ele olhar para o painel, e chegar à conclusão de que a soja é o que está trazendo maior lucratividade a ele, o que ele faz? Reúne o seu conselho, e direcionar todas as suas ações para a soja. E aí eu pergunto: que eu faço com a celulose? O que eu faço com o suco de laranja? O que eu faço com o óleo diesel? O que eu faço com o metal? Ora. O porto de Santos é um hub multipropósito. Ele opera todas as cargas. E o papel da APS é calibrar os interesses dessas cargas, de acordo com os interesses do país. Por isso ele jamais poderá estar 100% nas mãos do mercado. O que podemos fazer, e fazemos, é terceirizar vários serviços. Como por exemplo, a dragagem, a concessão das perimetrais e dos acessos, que está em fase de formatação. Agora, o que eu não posso entregar, é a decisão estratégica da gestão portuária, que inclusive, lida com os conflitos do mercado. Isto deverá sempre estar nas mãos do estado.

Ainda que exista o risco de, como o senhor mesmo disse, incorrermos em morosidade, ineficiência.

Sim, mas então por que não buscar ferramentas para desenvolver uma gestão pública 4.0? É isso que nós defendemos. Maior transparência, maior participação, exigência de formação dos quadros técnicos para que façam a gestão do porto. E hoje já é assim. Nós temos a “Lei das Estatais”, que foi criada depois dos escândalos, principalmente da Petrobras, que exige, por exemplo, que todos os diretores aqui do porto, tenham formação superior, mestrado, experiência em gestão pública comprovada por pelo menos oito anos. E antigamente não era assim. Assumia o assessor do vereador, que era nomeado diretor etc. Hoje não. Existe a indicação política? Existe. Mas ela tem que se enquadrar dentro dessa qualificação. Então sobe a régua para a escolha dos diretores. A aplicação da Lei das Estatais para a gestão portuária foi muito importante por conta disso.

E assim chegamos à atualidade na APS.

Entre os nossos desafios, o primeiro foi que nós pegamos o porto sendo preparado para a venda. Privatização. Havia uma insatisfação geral por conta disso. Na troca ministerial, com a chegada do ministro Silvio Costa, ele teve uma reunião conosco, e me disse o seguinte: “Pomini, o que você precisa para atribuir maior eficiência ao porto de Santos?”, e eu respondi que algumas providências. Primeiro: a delegação de competência. Tudo era decidido em Brasília. Distante da realidade do porto. A gestão aqui era até então uma executora. E eu considero isso errado. Quem tem que decidir é o porto, compartilhando suas decisões estratégicas com o ministério.

Ou seja, o senhor viu um porto mais propositivo.

Perfeito. E o ministro nos atendeu. Outorgou a chamada delegação de competência. A segunda questão era a retirada do porto do programa de privatização. Quando eu enquadro a empresa neste programa, eu imponho a ela um torniquete jurídico-administrativo, impedindo-a de fazer investimentos. E, em terceiro lugar entre as
providências, eu mostrei a necessidade de termos liberação de orçamento. O ministro, nos atendeu em todos os três quesitos. E basicamente essa foi uma organização que nós fizemos no primeiro ano da minha gestão. No segundo ano, nós reunimos a comunidade, e em conjunto, traçamos um plano, pensando no porto em um horizonte de 20 anos. E assim foi feito. Nós distribuímos este plano de ação em 3 eixos: integração Porto-Cidade, infraestrutura e administração. Do ponto de vista desta última, realizamos um concurso público, contratamos 250 pessoas, fizemos aquisição de sistemas e melhorias técnicas e tecnológicas para a gestão portuária, como a implantação do 5G; a criação do gêmeo digital, que permite a simulação de operações para que depois se possa aplicá-las no mundo real; e, na infraestrutura, a implantação de um plano de ação de infraestrutura, ouvindo principalmente os nossos clientes, que são os arrendatários. É um plano que é atualizado diariamente. Para você comparar: em quatro anos da gestão anterior, foram investidos no porto R$ 70 milhões. O que em termos práticos para uma operação como esta aqui equivale a nada. Já a nossa gestão, ao final de seus 4 anos, terá investido R$ 12,5 bilhões. É o maior investimento, em toda a história do porto de Santos, já executado em uma janela de quatro anos.

Esses investimentos se refletem principalmente na infraestrutura. Quais são as principais obras previstas ou em execução que representam esse avanço?

O mercado, nossos clientes, e com razão, nos pedem uma coisa: acesso. É preciso entrar com os navios, escoar os produtos, seja por linhas férreas, por rodovias, hidrovias ou dutovias. O porto precisa entregar isso. Inclusive, adotando melhores procedimentos para diminuir os tempos de espera dos navios. Afinal, o operador entende – corretamente – que está cumprindo sua parte, sua obrigação contratual, pagando a tarifa. E espera que nós cumpramos a nossa. Entre essas expectativas está, por exemplo, o aumento do calado. Atualmente nós temos 15 metros. Internacionalmente, é consenso que o ideal é que se chegue a 17 metros. E nós chegaremos lá em 3 fases: na primeira, faremos a derrocagem de 33 rochas que temos no canal. A segunda, será o contrato, por empreitada, para o aprofundamento dos atuais 15 metros para 16 metros. Por fim, uma concessão, pelo período de 30 anos, para que a vencedora do certame faça o aprofundamento e a manutenção para os 17 metros que nós objetivamos. Todas essas ações estão bem direcionadas, correndo desde já. Soltamos ou soltaremos todas elas em 2025. O segundo ponto: nossos acessos. Perimetrais. Como chegam e saem os caminhões, os trens, e tudo mais. Bem, nós planejamos. Vamos resolver o problema na área da Alemoa, com a construção de dois viadutos, por conta do conflito instalado entre veículos leves e pesados. Então, esses dois viadutos devem ser entregues no período de três anos. Na verdade, tudo que eu estou dizendo tem prazo de entrega para os próximos três anos. Isto inclui também a obra na perimetral da margem direita, a segunda fase da obra da perimetral esquerda na margem de Guarujá, uma obra de cerca de R$ 800 milhões, que já tem projeto pronto e entregue. Ainda no Guarujá, tivemos recentemente a inauguração da pista do aeroporto, com a presença do ministro Silvio Costa, e, a principal obra do país, o Túnel Santos-Guarujá. O túnel Santos-Guarujá não tem apenas natureza rodoviária. Ela é uma obra de infraestrutura urbana, multimodal. Ela conecta as margens do porto, e irá
atender aos 5 municípios, impactando diretamente e positivamente a operação. Veja só: no pico da safra
de soja, eu recebo 25 mil caminhões/dia. Caminhões esses que circulam 45 Km entre coleta de produtos
em uma margem e entrega de produtos na outra, em Guarujá, que entre outros motivos, tem um metro quadrado mais barato. Nisso, nós estamos emitindo 70 mil t de CO2, apenas neste circuito. Algo que também é caríssimo. Pelo túnel, teremos isso feito em 870 m, em um trajeto cumprido em 1 minuto e 30 segundos. Olha o impacto que isto terá na boa operação portuária. Agora, imagine que efetivamente, eu terei condições de trazer desenvolvimento econômico para uma área pobre de uma cidade rica. Lembrando que, justamente a falta de planejamento, a que me referi um pouco antes, fez com que nós tivéssemos ali a presença de palafitas. Nós vamos acabar com as palafitas, entregando moradias dignas para estas pessoas. São 1200 famílias, das quais, pelo menos 600 já tiveram as chaves de suas novas casas entregues. Eu estou trocando chave na chave. Trocando
palafita por casa de verdade. E estou fazendo um bom negócio, porque estou trocando palafita, para dar lugar à boa operação portuária.

Estas palafitas estão, digamos assim, na faixa de domínio do porto?

Estão na área do porto expandido. Eu preciso movimentar cargas. O porto de Santos cresce em média 10% ao ano, com acréscimo de volume de algumas cargas girando em torno de 20, 30% ao ano. Eu tenho, por falta de uma melhor gestão no passado, pessoas vivendo em uma situação indigna. Nós estamos corrigindo esse erro histórico. Primeiro, realocando essas pessoas para moradias decentes. Segundo, mirando a utilização dessas áreas para uma melhoria da operação portuária. Em 4 anos, nós teremos um novo ambiente portuário aqui em Santos. Uma nova infraestrutura, com a implementação de todo este conjunto de obras. E o túnel, Santos-Guarujá tem relação direta com isso. Aliás, é preciso ressaltar que o Túnel Santos-Guarujá é fruto da parceria da boa política, entre governo federal e governo estadual, com o governo federal sendo representado pela APS, que já tem, 50% do recurso já em seu caixa. Cerca de R$ 3 bilhões já estão depositados aqui. Os 50% restantes serão, portanto, aportados pelo estado. Um projeto de tal importância e magnitude, que exigiu que os dois maiores representantes executivos do país se apresentassem como estadistas, apesar de suas diferenças políticas. E nós temos o privilégio de participar desta boa construção, liderados pelo ministro Silvio Costa. Este é um exemplo de boa política. É um recado importante para essa polarização que atrapalha o país. A boa política é feita em favor do desenvolvimento da infraestrutura brasileira, e o porto de Santos é protagonista dessa história.

Com esta reconfiguração da margem esquerda, tanto pela própria reorganização quanto pela melhoria da acessibilidade com o túnel, o porto pode, digamos, sair de uma situação de sufocamento, não é mesmo?

É. Na margem direita nós não temos sequer 1 único m² disponível. A última área, foi incluída na chamada Poligonal do Porto. A área portuária é conhecida como Poligonal do Porto. Zona primária. O porto hoje conta com uma área de 7,8 milhões de m². Nossa proposta – olhando 20 anos à frente – é preparar o porto para que ele tenha áreas de expansão. E o que fizemos? Nestes dois anos, fizemos um estudo de quais áreas apresentariam esse potencial. Levando em consideração também o modal hidroviário, que nós brasileiros exploramos muito pouco, especialmente quando comparados a outros países, como os Estados Unidos. Este estudo foi apresentado ao MPor, com a proposta de ampliação da área primária, desses atuais 7,8 para 20 milhões de m². Ou seja, a maior proposta de expansão na história do porto. Quem sabe, nos próximos 20 anos, os diretores que aqui estiverem ocupando nossos lugares, não irão nos agradecer, como fazemos hoje com os Guinle, que foram à sua época eficientes e pensaram à frente de seu tempo? Estamos querendo deixar um legado. Os diretores futuros irão pensar que houve uma preparação para atender aos gráficos crescentes do agro, a necessidade de maior espaço para importação, que contará em breve aí com o leilão do maior terminal de contêineres do hemisfério Sul, o Tecon 10, que ampliará nossa capacidade de 5,5 milhões de contêineres, no prazo de três anos, para 10 milhões de contêineres. E tudo isso, graças a esse “alinhamento astral”. O governo federal passou a entender que a infraestrutura gera emprego, renda, estimula a produção nacional, e principalmente, se apresenta com eficiência para a importação de bens industrializados. Essa é a janela conectada com o mundo, a que me referi. E essa janela precisa funcionar. E para isso é preciso ter planejamento. Nosso objetivo principal é entregarmos, ao final de nossa gestão, um porto muito melhor e mais bem planejado do que nós encontramos. Voltando um pouco à integração Porto-Cidade, havia o anseio por parte do município, de melhorar a interface. Existia um projeto, do Parque Valongo, que ficou 30 anos abandonado. E, a magia do parque, é justamente o cais. A possibilidade turística de contemplação. Então, fizemos uma boa parceria com a Prefeitura e com os operadores privados, e entregamos, no prazo de 12 meses, os primeiros 15 mil m² do Parque Valongo, que já recebeu, em apenas 6 meses, mais de 400 mil visitantes. É o nosso Puerto Madero. E essa é só a primeira fase. A segunda fase já está em construção. Até dezembro deste ano, serão 30 mil m² de cais, com restaurantes, lojas, e, por fim, a transferência do terminal de passageiros para este local, em um período de cerca de três anos. Da forma como está projetado, este novo terminal de cruzeiros rivalizará com o terminal de Miami. Vocês estão registrando, e podem me cobrar: em quatro anos, teremos um novo porto. O maior equipamento de infraestrutura do hemisfério Sul, oferecendo uma melhor perspectiva tanto para o recebimento de cargas, quanto para o recebimento de pessoas. Tudo isso é inovador. E é representativo da força que o porto de Santos tem. E também é representativo da força que tem este pedaço de Brasil, que é a Baixada Santista.

Toda esta visão, com foco em melhores práticas, melhorias de gestão e governança, contribuíram para que se tomasse a resolução de repassar à APS a gestão do porto de Itajaí?

É possível. Todos os portos públicos são federais, afinal. E, o governo federal pode delegar a gestão, ou para o estado, como é o caso de São Sebastião e Paranaguá, por exemplo, ou para o município, como foi o caso de Itajaí, que era um caso único. E, é muito difícil para o município, para o prefeito, para o vereador, enfrentar a força do poder econômico. O poder econômico – e é natural que seja assim – tenta intervir nas canetas dos gestores, todos, incluindo a mim e ao redor do mundo todo, o tempo inteiro. E isto é um processo que faz parte da democracia. Nada mais é do que a força da economia nas decisões políticas. Em Itajaí, esse poder econômico foi mais forte, porque a política acabou ficando refém do poder econômico. E ali, é interessante notar, que existe um porto privado, que concorria com o porto público. E é claro, em uma atmosfera de livre concorrência, prospera o mais apto. E eu acho que ali foi o que aconteceu. Itajaí ficou 2 anos fechado. Então, houve muita pressão, por ocasião do vencimento desta delegação, para que o presidente Lula fizesse algo a respeito. Assim, o presidente fala ao ministro Silvio Costa, para que passasse “ao pessoal do Porto de Santos, que está fazendo uma boa gestão” – palavras do presidente – a administração do porto de Itajaí. E nós fomos até lá. E os números falam por si. Nesses praticamente 4 meses de gestão do porto de Santos à frente de Itajaí, batemos todos os recordes dos últimos 10 anos no mesmo período. Isso quer dizer, que nós temos aqui um bom modelo de gestão. E que não guarda relação com a nossa diretoria. Guarda relação, em especial, com os técnicos da casa, que em 400 anos de história, vieram aperfeiçoando suas práticas. E qual a nossa ideia? Compartilhar esse modelo de sucesso para o complexo portuário nacional. Por isso estamos conversando com outros portos do país, como no Ceará. E nisso, muitos me questionam: “Mas o porto de Santos vai perder carga, o que você vai fazer?”. Ora, eu vou aplaudir. Porque se o complexo nacional como um todo é competitivo, e está crescendo, isso é bom para o país. O porto de Santos não consegue atender toda a demanda nacional. E ainda bem que não. Hoje nós atendemos 70% do PIB nacional brasileiro. Nossa hinterlândia está conectada com mais de 20 estados da federação. O ideal é que nós tivéssemos outros portos com a mesma capacidade que a nossa, a mesma eficiência de recebimento de produtos, espalhados pelo Brasil, para poder absorver tudo e, mais que isso, diminuir o custo país, fazendo o país crescer. Nós entendemos que o papel do porto de Santos como líder do setor portuário nacional, é justamente estimular e auxiliar no crescimento do complexo portuário brasileiro. E o porto de Itajaí tem nos oferecido um bom exemplo neste sentido. Nossa gestão interna, que está lá presente, não concorre, portanto, com o porto de Santos. Até porque, eu tenho filas de navios em espera tanto lá como aqui. Todo o nosso complexo portuário conta com filas. E é esse olhar que nós temos que ter. O complexo nacional somos todos nós. E, o porto de Santos naturalmente deve liderar esse bom movimento.

E como é afinal, tentar imprimir agilidade, dinâmica, velocidade nesse ambiente de funcionalismo público, que não gira, muitas vezes, na mesma intensidade que o seu entorno?

Vamos mudar a norma. O procedimento. Eu não posso ficar sujeito ao rigor e à formalidade de uma norma que está fomentando a ineficiência pública. Evidentemente, se eu estiver bem-intencionado com as minhas ações. Assim como é evidente que eu devo estar sujeito à governança, aos limites, à defesa do patrimônio. Se, por exemplo, para tirarmos do papel o túnel Santos-Guarujá, eu precisar de ousadia na interpretação da norma, sendo que na origem eu estou intencionado, vamos fazer, com preparo e aplicação, porque eu vou me posicionar perante ao órgão de controle. E para isso é preciso coragem, e ir ao órgão de controle demonstrar este espírito de que se está intencionado de fazer o bem para a coisa pública. É isso que eu defendo. A norma pode e deve evoluir, e se adaptar ao bom gestor, que pretende uma gestão pública 4.0, bem-intencionado e que queira realizar. Se nós não fi zermosisso, não é possível avançar. Essa burocracia que nós enfrentamos diariamente aqui, é imposta a todo e qualquer gestor público. E a maioria desiste, se acomoda. E isso faz com que as pessoas capacitadas se afastem do setor público. E isso é um risco. Porque se abre espaço para outras configurações, nem sempre interessantes, dirigirem coisas públicas. E isso pode gerar retrocessos. E isso é o contrário do nosso objetivo.

Que mensagem o senhor deixa aos investidores, empreendedores, gestores públicos e privados, em relação à APS e ao porto de Santos?

A boa política é aquela que foca olhando pra frente, para o para-brisa, e não para o retrovisor. Todos os eventos que eu participo, eu percebo muito pessimismo. “Ah, mas nós deveríamos”, “Ah, mas o gargalo”, “Ah, mas o mundo”… Veja. Nós construímos em 400 anos – apenas 400 anos – o maior equipamento de infraestrutura do hemisfério Sul. Todos os portos do mundo têm 3, 4, 5 mil anos de operação. Então, a gente tem que se orgulhar dessa boa construção. 30% da corrente comercial brasileira. Em quatro anos, nós teremos um novo porto. Túnel, canal aprofundado, os acessos de forma absolutamente adequada. Em quatro anos, teremos uma nova configuração logística brasileira. Ou seja: o recado que eu dou para o gestor público é: seja ousado. E para o empreendedor, olhem para o porto de Santos, e tenham a certeza que o que a gente está projetando aqui, pode mudar o formato da boa gestão. Que é a gestão pública 4.0 que nós buscamos, e que o Brasil tanto precisa.